7 de abril de 2015

ACÇÃO CONSISTENTE É A BASE DO SUCESSO DO RUGBY NACIONAL

Quando um determinado objetivo não é alcançado – seja esse objetivo a vitória num jogo, o título numa competição, ou o apuramento para outra competição – é provável que surjam de imediato uma série de explicações para o insucesso.

O treinador não presta, os jogadores não treinam, o árbitro é o culpado.
Apesar de no rugby tentarmos proteger a figura do árbitro, cada vez é maior a crítica ao juiz da partida, em geral feita de forma infundada e agressiva, herdada de outros desportos como o futebol.

Mas a verdade é que podemos afirmar sem medo de errar, que houve falta de acção consistente.

E não estamos a insinuar que não tenha havido trabalho.
Mas existe uma enorme diferença entre trabalho, agitação, muitas vezes até além da conta, provocando grande cansaço e muitas vezes estresse, e acção consistente, decorrente de decisões ponderadas e que contemplam os vários estágios da preparação de um jogador para a alta competição, de uma equipa para o sucesso.

Na verdade em geral nem existe a consciência de que a causa do problema pode ser estrutural, principalmente porque se espalhou a ideia que o único trabalho de um líder é conseguir resultados.

Por isso, especialmente nos países emergentes na modalidade, com menos tradição, com menos expressão social, as lideranças procuram a todo o custo reunir um conjunto de jogadores em que se investe fortemente – na procura incessante por resultados imediatos – e nada ou pouco se faz no fomento da modalidade através do país, na procura do crescimento da base de praticantes, no constante aperfeiçoamento do gesto técnico individual ou colectivo, na insistência na transmissão dos princípios que regem a modalidade e que nós resumimos com simplicidade como o Espírito do Jogo.

Não se formam educadores, técnicos, dirigentes imbuídos daquele Espírito que torna o mundo do rugby uma coisa tão especial – ou seja, deixou-se de formar homens que jogam rugby, para se prepararem máquinas de jogar que, podendo resolver problemas do imediato, vão com certeza falhar no médio ou longo prazo.

Então temos que ponderar cautelosamente o que é ser consistente.

Vou dar o exemplo da equipa de Portugal que esteve nas semanas passadas em Hong Kong e em Tóquio, que, conseguindo os feitos notáveis de empatar com a Nova Zelândia e bater a Austrália, no conjunto dos resultados ficou em último lugar no Torneio de Hong Kong, a par da Bélgica, e em Tóquio não conseguiu melhor que vencer o Shield, ou seja, o 13º lugar.

A equipa é composta de 12 jogadores, e para poder garantir a preparação de um segundo conjunto de jogadores que possam no futuro ser jogadores influentes no time, dos 12 jogadores os técnicos levaram consigo alguns jogadores sem experiência, sem maturidade, precisamente para lhes dar essa experiência e ajudar a desenvolver a sua maturidade. Mas alguns desses jogadores não estavam ainda em condições de fazer parte do time, dentro de campo, embora em Tóquio já tenham sido utilizado com mais frequência

Como resultado disso, em Hong Kong um desse jogador apenas participou de uma partida, durante quatro minutos, e outro participou cinco minutos numa partida, dois minutos noutro e um minuto num terceiro encontro. Nada mais.
Ou seja, Portugal esteve numa das mais exigentes competições da actualidade com 10 jogadores e não com 12, e sendo o grau de exigência física destes torneios enorme, Portugal deixou de lado quase 17% do seu potencial actual, para preparar o futuro.

Para finalizar, no último dia do torneio de Hong Kong, Portugal apenas utilizou oito jogadores – os únicos que estavam em condições de serem utilizados - com tudo o que isso implica de esforço e sacrifício para esses mesmos jogadores, e de prejuízo competitivo para a equipa.

Ora é claro que existe a necessidade de manter um segundo time em competição, onde sejam dadas horas de jogo a mais jogadores, que amanhã passem a fazer parte efectiva da equipa mais representativa.

Mas os problemas com a equipa não ficaram por aqui. Logo no primeiro dia do Hong Kong Sevens, o grande Adérito Esteves lesionou-se e houve que proceder à sua substituição, não já para Hong Kong, mas para o torneio do seguinte final de semana em Tóquio.

Acontece que não foi possível dentro do grupo de trabalho dos sevens encontrar um jogador para fazer essa substituição, uns por motivos de ordem profissional, outros por causa dos estudos, outros por motivos particulares, e acabou por se recorrer a um jogador que nunca esteve envolvido nos trabalhos da seleção de sevens, embora tenha estado integrado nos trabalhos da seleção de XV.

(Uma nota para referir que não se pretende aqui criticar os jogadores, que, generosamente, deram o seu contributo à nossa representação nacional, e tão somente acentuar a maior dificuldade com que a própria equipa se debate.)

Significa isto que o rugby português não tem profundidade para manter em atividade uma seleção de sevens competitiva, durante todo o ano, entre Circuito Mundial, Grand Prix Sevens da Europa, e apuramento para os Jogos Olímpicos...

Ou seja, depois de quatro anos de menosprezo e abandono, apostou-se na constituição de um grupo de trabalho com 40 a 50 jogadores, mas nunca se fez trabalho de base que permitisse ir substituindo alguns desses jogadores, conforme os seus impedimentos por lesão, por motivos profissionais ou outro fossem surgindo.

Porque não nos podemos esquecer que o rugby português continua a ser amador.
E para continuar assim - o que nós claramente defendemos - tem que ter uma maior base de recrutamento, que permita manter um nível equilibrado, consistente, durante toda a época.

Então, o que eu digo é uma coisa simples.

Para manter uma seleção nacional que produza os resultados programados, os resultado que constituem os objetivos da equipa, exige-se que seja executada uma acção consistente, ou seja, devidamente planeada e acompanhada, de conquista de mais jogadores, com penetração nos escalões etários mais jovens, com a organização de competições por todo o país nos diversos escalões incluindo o senior, não apenas junto das escolas, mas nos bairros, nos clubes, por forma a que se multiplique o número de praticantes, sempre melhorando técnica e fisicamente, mas nunca deixando de ter presente que devemos formar Homens e Mulheres que jogam o nosso desporto, sempre atendendo àquilo que nós chamamos o Espírito de Jogo.

Continuar com a actual política de exclusiva preparação de um restrito grupo de jogadores, sem investir seriamente no trabalho de base, condena o rugby nacional a um futuro cinzento, onde poderão surgir de tempos a tempos, alguns clarões que iluminem o ambiente, mas não vai permitir que o nosso rugby cumpra o seu destino e a sua seleção nacional de sevens se afirme, consistentemente, como uma das melhores do mundo.

(Este assunto foi tema de uma intervenção que fiz na sexta feira santa no espaço que mantenho na Estação Rugby Clube em www.radioestacaoweb.com - Pátio Lusitano - e que podem ouvir em gravação aqui: https://soundcloud.com/radiorugbyclube/patiolusitano.
Para os interessados o programa está no ar em direto à sexta-feira a partir das 17 horas de Lisboa)

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