31 de dezembro de 2013

A ETERNA JUVENTUDE DE UM VETERANO DO RUGBY PORTUGUÊS

Mais de duas décadas jogando rugby e mais de 11 anos a vestir a camisola de Portugal por esse mundo fora, não fizeram David Mateus perder a simplicidade, o entusiasmo e a esperança, e só quem não o viu em campo este ano pode duvidar que por ele, os Jogos Olímpicos estão mesmo ali!

Uma carreira nacional que começou numa equipa de uma empresa, passou por um dos grandes do rugby nacional, e está agora ao serviço de um clube apoiado por uma empresa...

David Mateus começou na equipa dos TLP, um projecto de sucesso dos finais do século passado, e hoje, na Groundlink, é um dos pilares do desenvolvimento de um projecto que pode ser de sucesso, fortificando o Clube de Rugby das Caldas.

E é assim em beleza, com David Mateus, que o Mão de Mestre termina em 2013 a longa série de entrevistas que ajudaram a dar a conhecer clubes e jogadores ao público nacional.

33 anos, 37 vezes internacional XV, 64 torneios internacionais de 7’s e uma juventude em campo que poucos jovens apresentam...
Como tudo começou, onde e quando?

Tudo começou quando tinha 10 anos (já o meu pai insiste em dizer que foi aos 8 anos de idade). 
A TLP, empresa em que o meu pai trabalhava, formou uma equipa de rugby para os filhos dos trabalhadores da empresa.
O meu pai, que tinha jogado apenas uns meses no Benfica quando era jovem, achou por bem que nos iniciássemos na prática do rugby, não sem antes nos perguntar se queríamos. 
Fomos a um primeiro treino, gostámos e ficámos. Durante os primeiros tempos treinávamos e jogávamos apenas aos sábados. 
Quando começámos a formar uma equipa mais coesa, começámos a treinar às terças e quintas com jogos aos fins de semana. 
Por volta dos meus 15 anos a equipa dos TLP acabou o que me levou, assim como ao meu irmão, à ingressão no Belenenses.

Depois de uma carreira construída no Belenenses, um recomeço numa equipa de um escalão inferior surge em função de uma proposta de trabalho. Como é partir para uma nova aventura com mais de 30 anos, conhecer novos métodos, novas ambições, novos colegas , e deixar para trás tantos anos de vivência, tantos companheiros?

É natural que tenha sido difícil. 
Deixei para trás muitos companheiros de equipa e amigos no Belenenses. Mas não os perdi. 
Vivi, convivi e joguei quase toda a minha carreira rugbistica naquele clube. Foi lá que atingi muitos dos meus objectivos enquanto jogador de rugby. 
Eu que nem era apoiante do clube de futebol, passei a sê-lo.
Esta foi uma oportunidade de emprego que surgiu numa altura em que tanto precisava. 
Infelizmente a dedicação ao rugby dificultou a minha entrada na vida profissional devido ao tempo de treino necessário (conjunto de horas semanais de treinos selecção + clube). 
Senti também que começava a chegar a altura de retribuir o tanto que recebi em termos de experiência e ensinamentos. 
Por isso decidi aceitar integrar este projecto, com alguma pena de deixar um clube onde fui tão feliz.

Já no Groundlink Caldas a minha integração foi fácil. Todos me receberam bem. 
O Patricio já tinha sido meu treinador há muitas épocas passadas, no Belenenses, e já o tinha encontrado várias vezes como organizador/coordenador do torneio de beach rugby da Foz do Arelho. 
Sabendo como é o espírito do rugby, integrei-me mais facilmente na equipa e no clube. 
Também tenho que realçar que o facto de ter colegas de equipa que também eram do Belenenses e outros que trabalham na Groundlink ajudou mais ainda

Quais são as tuas ambições como jogador do Groundlink Caldas, o que esperas alcançar e por quanto tempo esperas continuar a jogar? Achas que tens algum papel especial a desempenhar numa equipa em que és claramente a “estrela da companhia”?

Apesar de este ano ser, como dizem os responsáveis, o ano Zero do Grounlink Caldas, um ano para formar e construir uma equipa, a minha ambição, e penso que da equipa em geral também, será a subida para a divisão de honra. 
Sei que construir uma equipa demora o seu tempo, sobretudo com tantos jogadores novos. Mas a tarefa não é impossível! Aliás, está ao nosso alcance. 
Temos uma mistura de jogadores novos e experientes na base da equipa. Com a chegada dos Groundlinkersa equipa tornou-se um pouco mais forte e mais experiente. 
Há claramente muito trabalho a fazer, mas a subida de divisão não é uma ilusão.

Quanto ao tempo que espero ainda continuar a jogar, só mesmo o tempo o dirá
Quem joga rugby sabe o quanto é difícil deixar de fazê-lo. 
Basta perguntar ao Aguilar que, apesar da idade avançada, continua a jogar rugby ou perguntar também ao Miguel Portela que ainda o ano passado jogou. 
Penso que deixarei de jogar quando o corpo não o permitir. 
Ainda tenho a ambição, um pouco difícil(!), de jogar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

E não me considero a estrela da equipa. Sou, sim, um jogador com bastante experiência. Experiência essa que posso transmitir nos treinos e dentro de campo, nos jogos, para que a equipa se torne mais forte e a ajude a superar obstáculos nos jogos mais difíceis, caso seja necessária!

Entre Fevereiro de 2002 e Fevereiro de 2010 foste um “permanente” da Selecção Nacional de XV, disputaste o Mundial de 2007. De repente, de um dia para o outro, desapareceste da equipa. O que aconteceu?

Isso é uma pergunta que terá que fazer ao treinador da selecção de XV da altura. Eu estava disponível para jogar. 
Com certeza acharam que seria uma mais-valia nos 7s e preferiram apostar noutros jogadores para o XV. 
É de salientar o facto de possivelmente acharem que seria demais para mim fazer as duas variantes. 
Fisicamente as épocas são longas e nem sempre é possível andar em cima constantemente. É uma gestão complicada de se fazer.

A partir de Dezembro de 2010 surges quase a tempo inteiro com a Selecção Nacional de 7’s, e desde então poucos foram os torneios em que não estiveste presente.
Existe uma ideia generalizada que os 7’s são para jogadores em início de carreira e que a sua progressão natural seja a mudança para o XV. Tu próprio foste internacional 7’s (três vezes) antes de seres internacional XV, mas pareces de pedra e cal na equipa, e particularmente na dupla etapa de Novembro/Dezembro do Circuito Mundial, apareceste em grande forma.
Tendo em consideração este momento de forma e a longa experiência que tens na variante (com 64 torneios disputados, apenas Pedro Leal e Adérito Esteves somam mais do que tu), qual pensas que vai ser o teu papel e o teu futuro com a equipa?

Eu não quero fazer parte desta equipa de 7s só porque sou quem sou ou porque fui quem fui em tempos ou apenas pela experiência que tenho como jogador… 
Quero ser um jogador válido na equipa. 
Não quero nem posso ser apenas mais um jogador. Tenho a noção disso. 
Se for apenas mais um jogador na equipa e não trouxer alguma mais-valia, é preferível deixar os mais novos jogar no meu lugar para ganharem experiência que tanto precisam. Sei que os treinadores pensam o mesmo.

A meu ver, nos campeonatos em que jogamos, o ideal é ter a melhor equipa possível, tanto ao nível físico como de experiência. 
Se nem sempre tem sido possível e mesmo assim conseguimos tão bons resultados, como seria se a tivéssemos? 
Tem sido necessária essa gestão entre XV e 7's no nosso Rugby. 
Podendo ser uma plataforma de lançamento de jogadores novos, estes devem ser acompanhados por jogadores mais experientes. 
Para sevens é essencial uma excelente condição física, e a experiência necessita de muitas horas de jogo!

Como concilias a tua presença no Circuito Mundial de Sevens, que exige longos e regulares períodos de ausência do país, com o teu emprego, com a tua vida profissional?

Não é fácil! Tenho um acordo com o patrão da empresa. 
Sendo um adepto incondicional de rugby que é, tenho o privilégio de, além de usufruir de 22 dias de férias a que tenho direito, ter mais quatro semanas de licença do trabalho para usar nos torneios do circuito mundial da IRB. 
Relativamente a torneios GPS da FIRA-AER, como as viagens são só de fim-de-semana, o patrão dá-me autorização para faltar. Normalmente apenas não trabalho na sexta. Segunda chego e ainda consigo ir trabalhar da parte da tarde.


Com o que conheces das equipas mundiais de sevens, como encaras a hipótese de Portugal conseguir garantir um lugar nos Jogos Olímpicos de 2016, em que apenas participam 12 equipas, sendo uma delas (segundo tudo indica) a do país organizador, o Brasil?
O que será preciso fazer para que essa hipótese tenha mais possibilidade de se tornar realidade?

A qualificação de Portugal para os Jogos Olímpicos é uma possibilidade bem real! 
Temos e sempre tivemos jogadores e equipa para grandes feitos nos 7s. 
Temos a sorte de a Inglaterra, Gales e Escócia fazerem parte da mesma equipa (Reino Unido). São menos duas equipas com que nos preocupar. Resta-nos França, Espanha e Rússia. Se bem que apenas tenhamos que nos preocupar connosco próprios. 
Apesar de sermos uma maior potência nos 7s, sempre foi dada, e com alguma razão, maior importância e protagonismo ao XV.
Relativamente ao que é preciso fazer, as bancadas do Estádio Nacional estão a sofrer obras com o fim de melhorar as infra-estruturas, assim como optimizar as condições de treinos dos atletas no sentido de crescerem mais e melhor como atletas.
Esse passo, talvez o mais importante, já está a ser dado. 
O outro passo que deveria ser dado, mas que será mais difícil, era angariar mais dinheiro (patrocinadores, Estado, etc) para que os atletas se pudessem tornar profissionais, ou pelo menos, semi-profissionais, e, assim, dedicarem-se a tempo inteiro, evoluírem como deve ser e serem melhores jogadores de rugby. 
O dinheiro também serviria para formar mais e melhores treinadores desta vertente. 
E, por fim, poder levar a equipa a participar em vários torneios como meio de preparação para o objectivo principal que são os JO. 
Isto seria apenas o básico. Há muito mais que se poderia fazer para ajudar na preparação e qualificação.

Voltando um pouco atrás, e sendo tu um dos pioneiros a integrar um projecto de uma empresa que associa o rugby com a actividade profissional, pensas que este tipo de associação é viável e pode ser alargado a outras empresas, em Portugal?

Deveria ser alargada a outras empresas! 
Mas num país como o nosso, em que se dá pouca importância ao desporto, é complicado. 
Teria de haver a conjugação de apenas três factores: um patrão como o nosso, que tem a paixão que tem pelo rugby e com a vontade de fazer crescer a modalidade, a necessidade de uma empresa em empregar pessoas, e essa mesma empresa ter o dinheiro para o poder fazer.

Tens 33 anos e uma vida dedicada ao rugby. O que vais fazer quando as pernas deixarem de corresponder à vontade, e a competição como jogador tenha que ser abandonada?

Não é que ainda não tenha pensado nessa inevitabilidadeGostava de continuar ligado ao rugby, mas sei que me vai custar. 
Dar apenas treinos e não poder competir como jogador vai ser complicado. O mais provável será tirar uma licença sabática do rugby durante 1 ano, pelo menos. 
Durante esse tempo vou continuar com o ginásio e com algum desporto ou actividade que substitua a corrida. Provavelmente jiu jitsu, influenciado por amigos meus.

Se tivesses um conselho, uma palavra fruto da tua experiência, para dar aos mais novos, o que seria?

Se realmente gostam e querem fazer uma carreira no rugby, é possível, mesmo estudando/trabalhando ao mesmo tempo. 
É tudo uma questão de dedicação! 
O fruto do sucesso é o resultado daquilo que damos de nós próprios ao rugby e aos estudos.

Fotos: António Simões dos Santos, IRB/Martin Seras Lima


2 comentários:

Anónimo disse...

O David falou do acordo que fez com o patrão para poder fazer o circuito de sevens e das facilidades que a empresa lhe dá, o que o David não disse é que é um excelente trabalhador, que nunca faltou ao trabalho, que se mostra sempre disponível para ajudar a empresa, que se mostra disponível a trocar horários dos turnos quando isso convém á empresa.

Qualquer patrão que saiba o enorme valor que têm os bons trabalhadores, tenta chegar a acordo com eles naquilo que é importante e a ida á Selecção é importante para o David.

Deixem que diga que não só o David mas todos os outros jogadores que aqui trabalham são uma enorme mais valia para a Groundlink e a empresa melhorou enormemente do ponto de vista qualitativo com a sua chegada. Souberam integrar-se e souberam adaptar-se á cultura da empresa.

A experiência tem sido tão positiva para a empresa que seguramente vão existir outras contratações a breve prazo.

Umas excelentes entradas e um melhor 2014, de preferência com bom rugby e um Groundlink Caldas campeão.

Para ti David tudo de bom, nós temos muito orgulho em ti terás o nosso apoio para que possas continuar a ir á Selecção (agora trata de fazer por isso). Se sonhas com a ida aos Jogos Olímpicos terás o nosso apoio.


FB

Anónimo disse...

Realmente é um prazer ver o David jogar a que não será seguramente alheio o equilíbrio que encontrou entre sua vida profissional e desportiva. É sem dúvida uma parceria de benefício mútuo onde existe claramente respeito e vontade de proporcionar o melhor de cada um, deveriam ser assim todas as relações laborais.
Entendo o comentário de FB essencial para se esclarecer na totalidade este investimento da Groundlink, eles procuram bons profissionais e quem acredita verdadeiramente no Rugby sabe que muitas vezes vezes forma realmente pessoas com características particulares que interessam às entidades empregadoras. As "facilidades" laborais terão e são-no seguramente compensadas pela dedicação e reconhecimento por parte do David, ficam todos a ganhar!
Não sou adepto do Caldas, bem pelo contrário lol, apenas um apaixonado do Rugby que aprecia bons projectos que tragam mais valia e reconhecimento ao nosso desporto.
Um bom 2014 a todos e que surjam mais "jovens" Atletas como o David bem como empresas dinâmicas e com visão como a Groundlink no nosso Rugby