12 de fevereiro de 2014

ARBITRAGEM, UM SECTOR QUE MERECE SER BEM TRATADO

Imediatamente antes da crise que atravessou o rugby nacional, que foi despoletada pela indisponibilidade dos árbitros nacionais para dirigirem encontros oficiais, o Mão de Mestre tinha encetado um processo de investigação sobre a situação naquele sector, e embora os acontecimentos tenham de certa forma antecipado o trabalho que pretendíamos levar a cabo, a verdade é que a situação pouco se alterou e o problema subsiste sem grande evolução.

Decidimos então, continuar com a nossa matéria, aproveitando o trabalho que já tínhamos bem adiantado.

Ao longo dos quase cinco anos que levamos na publicação do Mão de Mestre temos verificado um acentuado e progressivo mau estar entre as gentes do rugby em relação ao sensível sector da arbitragem, com queixas de toda a parte.

Se por um lado os clubes - a generalidade deles - se queixam da fraca qualidade dos árbitros nacionais,
também pelo lado dos árbitros se acumulam as queixas quanto ao comportamento de jogadores, dirigentes e público, em relação ao seu trabalho.

No meio desta notória insatisfação acumulam-se os problemas, e se é óbvia a falta de qualidade de uma parte dos nomeados para a direcção das competições nacionais, mais evidente é uma enorme ignorância por parte dos restantes envolvidos no Jogo, que muitas vezes se confunde com um analfabetismo funcional de quem ouviu falar das suas Leis mas não faz ideia de como e quando elas se aplicam.

Temos sempre defendido nas páginas do Mão de Mestre um princípio que consideramos intocável de que as decisões dos árbitros não se discutem e que a jogadores e dirigentes compete a manutenção deste estatuto.

Mas isso não significa que a arbitragem seja imune a crítica não centrada na análise de casos concretos, nem que a atuação dos árbitros, da sua associação ou do seu orgão dirigente se deva colocar num pedestal ao qual os restantes envolvidos devam prestar contínua veneração, antes devendo nela participar, quer na discussão das próprias Leis para sua completa comprensão, quer na colaboração para que se resolvam alguns dos seus mais prementes problemas.

Nesse sentido o Mão de Mestre tentou ouvir o Conselho de Arbitragem e a Associação Nacional de Árbitros de Rugby, e se daquela obteve respostas, desta apenas obteve indiferença e silêncio.

Na verdade, contactada por duas vezes, em Março de 2013 e no início de Janeiro, a ANAR fez de conta que não viu nada e colocou-se naquele pedestal em que se pode chegar, mas não por esticar o pescoço e sim pelo respeito dos seus pares e reconhecimento do seu trabalho.

Será que a ANAR tem cumprido o seu trabalho de defesa dos interesses dos árbitros, no concerto dos interesses do rugby?

Na ausência das suas respostas ficamos sem saber, o que não é bom para ninguém: nem para os que nos lêem diariamente, nem para aqueles que sempre temos defendido.

(Entretanto sabemos que houve eleições na ANAR e esperamos que a sua atitude mude e os seus membros compreendam que são apenas mais uma peça do mundo do rugby português)

Melhor receptividade tivemos junto do Conselho de Arbitragem, que não só nos respondeu rapidamente, como não se esquivou a nenhuma resposta.

Resolvemos assim centrar este artigo nos seguintes pontos:

1. Do lado dos árbitros
a. Os árbitros que existem são suficientes?
b. Os árbitros em actividade são competentes?
c. Como é feito o recrutamento de novos árbitros?

2. Do lado dos clubes
a. O que é feito para ensinar as Leis do Jogo aos jogadores dos clubes?
b. Que acções de sensibilização são feitas para que os árbitros sejam respeitados?
c. Quando foi e quem foi o último árbitro a participar numa sessão de treino dos clubes?

3. Do lado da organização da arbitragem
a. Que acções de formação foram levadas a cabo nos últimos 24 meses?
b. Quais são os critérios da nomeação dos árbitros?
c. Quem são os árbitros reconhecidos pela FPR e como estão classificados?

Do inquérito que lançámos através de um conjunto de clubes das três divisões nacionais chegámos às seguintes conclusões:

Nenhum clube considerou suficiente o número de árbitros, mas apenas uma parte pequena dos clubes promove acções de captação de novos árbitros, e quando o fazem é sempre entre os seus jogadores.

Quanto mais se desce na escala das divisões, pior é a opinião dos clubes sobre os árbitros... Enquanto os clubes da Divisão de Honra consideram que existem alguns árbitros competentes, na generalidade os restantes clubes acham que eles não são competentes, e apenas um clube considerou que a maior parte é competente, e poucos são os clubes que já convidaram um árbitro a participar nas suas sessões de treino.

Em termos gerais os clubes preocupam-se em passar para os seus jogadores a ideia de que os árbitros devem ser respeitados, mas nenhum clube tem uma política de sensibilização, por exemplo, dos seus apoiantes.

Quanto ao conhecimento que os jogadores dos clubes têm das Leis de Jogo, há alguns clubes que dizem
que alguns dos seus jogadores as conhecem, mas mesmo assim não terão um profundo conhecimento das mesmas. E cerca de metade dos clubes contactados afirmam mesmo que os seus jogadores não conhecem as Leis do Jogo.

Em conclusão, existe um enorme descontentamento quanto aos níveis da arbitragem, mas os clubes pouco ou nada fazem para ajudar a combater esse problema, e as iniciativas que levam a cabo, quando existem, são restritas aos seus jogadores.

No que diz respeito às informações prestadas pelo Conselho de Arbitragem, soubemos que a última classificação dos árbitros portugueses foi realizada no 3º trimestre de 2013, num trabalho articulado entre o Conselho de Arbitragem (C.A.), o Diretor Técnico da Arbitragem(D.T.A.), Ferdinando Sousa e o conjunto dos observadores (Inácio Mendes Silva, Nuno Coelho, António Moita e Álvaro Santos).

Soubemos ainda que os critérios para a nomeação dos árbitros estão baseados nas seguintes quatro vertente - Classificações actualizadas dos árbitros; Qualidade e comportamento nas recentes arbitragens (2/3 últimas intervenções); Avaliação dos respectivos desempenhos, de acordo com os pareceres dos
observadores dos árbitros e finalmente a opinião do C.A.
Por outro lado o C.A. informou que os únicos responsáveis nas nomeações dos árbitros são os seus três elementos.

No que diz respeito medidas têm sido tomadas por forma a uniformizar a aplicação pelos árbitros das Leis do Jogo em Portugal, o C.A. informou-nos que quinzenalmente têm lugar na F.P.R.reuniões entre os observadores e o D.T.A. abertas a todos os árbitros, sendo a informação sobre essas reuniões previamente transmitida e confirmada junto dos árbitros e que, naturalmente, esta questão é abordada em todas as reuniões de reciclagem do colégio de árbitros.

Finalmente, questionado quando será editada uma versão actualizada do Livro de Leis, em português, acessível a todos, árbitros, jogadores, dirigentes e público em geral, o Conselho de Arbitragem disse-nos que não tem conhecimento da data de uma publicação do Livro de Leis em português.
Mas - não desanimem! - ficámos a saber que todos os anos, a FPR distribui por diversos agentes, entre os quais os árbitros no activo, livro de leis actualizadas e, segundo o C.A. julga saber, pelo menos em, francês, inglês, espanhol e russo - só falta mesmo em grego!

O NOSSO COMENTÁRIO
A arbitragem vai mal, quase todos estão de acordo, mas poucos fazem alguma coisa para reverter a situação.
Os clubes não têm políticas sólidas de estudo e transmissão de conhecimento sobre as Leis do Jogo, a FPR não publica o Livro de Leis em português, e não existe uma divulgação massiva dos exemplares em língua estrangeira, nomeadamente aos jogadores e treinadores, e o Conselho de Arbitragem ao fazer as nomeações dos árbitros não tem em consideração o grau de dificuldade de cada jogo, nomeadamente no que respeita às questões disciplinares ou ao comportamento habitual do público em cada local.

Finalmente, e para concluir este trabalho, notamos que ninguém tem uma política de captação de árbitros de Portugal.
Os orgãos dirigentes não conduzem campanhas nesse sentido, e os clubes quando conduzem elementos seus a frequentar cursos de arbitragem, apenas o fazem entre os seus jogadores, e na maior parte dos casos esses elementos nem constam da listagem oficial dos árbitros portugueses, que a seguir apresentamos.


Fotos: Rugby Photo Store, Luis Seara Cardoso

8 comentários:

Anónimo disse...

Excelente artigo!

Martim Bettencourt

Anónimo disse...

Link para um dos poucos documentos interessantes do rugby português:

http://www.rugbydosul.pt/fotos/editor2/balancodaepoca2012_2013.pdf

Não é preciso estar sempre a começar do zero. É preciso avaliar o que não tem corrido bem e melhorar.

PSM

António Ferreira Marques disse...

Antes de tudo os meus cumprimentos pelo artigo; só é possível comentar a modalidade se a modalidade tiver sustentabilidade, i.e. futuro, e é de um dos aspectos que sustentam a modalidade que o artigo trata.

Em qualquer domínio da actividade humana, os princípios, as regras e a organização são condições prévias à sua existência e o seu nível de desenvolvimento e desempenho a base para o êxito.
Lendo o diagnóstico que artigo desenvolve, só podemos concluir que a arbitragem, base fundamental para esta actividade é AMADORA, e, por consequência o Rugby em Portugal é AMADOR.
Esta "valorização" é positiva ou negativa? ... como diria Hamlet ... que sendo "bife" seria "rugbista" ... esta é a questão.

Contributos para uma resposta:

a) é uma actividade AMADORA ... contudo há quem tenha que viver dela ... e que por essa necessidade se comporta, sempre e exemplarmente como profissional, no bom sentido da palavra - treinadores, fisioterapeutas, jogadores, etc.. Então há que respeitar esta gente!
b) é uma actividade PROFISSIONAL ... contudo há muito amadorismo nas atitudes, comportamentos, apoios ... e fundamentalmente na GESTÃO DE TOPO.

Como resolver?

Sendo o Rugby um desporto que exige inteligência, espírito de equipa, e ... acima de tudo ... uma postura de princípios de relacionamento humano acima da média ... custa acreditar não ser possível encontrar entre os seus apaixonados um conjunto de vontades e disponibilidades que, conjugando apoios absolutamente necessários, não sejam capazes de melhorar a actual situação ... de AMADORISMO.

António Ferreira Marques disse...

O link de PSM ... revela trabalho profissional ... se calhar com "retribuição" parcialmente (em que percentagem?) amadora.
O que se retira é que o Rugby em Portugal tem competências, faltando, na minha opinião uma gestão de topo mias ... profissional.

Miguel de Castro disse...

Caro Antonio Ferreira, sei que isto e apenas um preciosismo, mas o autor de Hamlet e que era Britanico, ja a personagem Hamlet era um principe Dinamarques! Saiu um bocadinho ao lado essa metafora.

António Ferreira Marques disse...

Caro Miguel de Castro, ob. pela correcção. Considerando que todos os personagens apenas "falam" os seus autores, na verdade quem "expressou" "... esta é a questão ..." foi o "bife" William S.

Great Duke disse...

Do rugby para a literatura...só no Mão de Mestre.

:-)

Ribeirinho disse...

Apesar de tudo prefiro a elevacao e galhardia destes comentarios filosofico-literarios do que a pouca vergonha que as vezes se le, em que apesar de implicito ou explicito o nome de algum clube ou jogador ou orgao de tutela do rugby, pouco espirito de rugby contem!

Bem haja aos aficionados do rugby que sabem ter discussoes de bom nivel e nao mediocres e mesquinhos como por vezes se le aqui!

Bem haja ao Manuel por aturar este meu comentarios e outros de nivel bem pior!