23 de julho de 2015

RUGBY DOS VALORES OU RUGBY DOS VALORES (€€)? *

* Bruno Nifo 
Sem ser velho, eu sou (e gosto de ser) do tempo em que só se jogava rugby no clube do coração ou que só se mudava quando as ideias não eram as mesmas ou não nos estávamos a divertir ali e havia que procurar ser Feliz noutro lado.

Havia sentido de pertença, vontade de ser não só mais um mas sim um dos que fez alguma coisa por um clube com o qual nos identificamos e onde queremos deixar marca.
Fiz o meu 1°jogo nos seniores em 1998/1999 e aí atingi um dos meus objectivos de miúdo: ser jogador de Rugby (e esse estatuto só se adquire nos Seniores) e isso só podia ser no meu Belenenses!

Durante largos anos trabalhou-se nos clubes para se conseguir chegar ao topo do campeonato nacional e sempre com uma certeza/um lema: formar homens e também atletas (amadores) mas 100% apaixonados por aquilo que faziam!

Atletas em que época após época apostavam na sua formação para um dia terem as ferramentas para conseguir vencer no Rugby e na vida.

E dessas gerações (1976 até 1983) conseguiram-se muitos e bons nomes do Rugby Nacional mas não só: do mundo profissional também.

Conseguiu-se um inédito (e arrisco dizer que não voltará a acontecer) apuramento para o Mundial ao mesmo tempo que se fazia do Pipas Médico, do Vasco Uva Advogado, do Zé Pinto Médico, do Francisco Moreira Médico entre outros...mas esse foi um ponto se viragem, a meu ver mal aproveitado e desde aí muita coisa se alterou.

Surgiu dinheiro, muito dinheiro! Na selecção mas não só...nos clubes também e se na selecção foi mal aproveitado nos clubes o erro foi o mesmo.

Apostou-se em muitos estrangeiros, e se é verdade que passaram excelentes jogadores por Portugal, também é verdade que passaram (e em grande maioria ) alguns muito maus!!!

E para mim essa vinda de estrangeiros (quando eram de qualidade) só trazia benefícios para o rugby português. É assim que se evolui.

Depois criou-se a ilusão que os jogadores Portugueses podiam ser profissionais e viver do rugby e que Portugal estava preparado para isso.

Jogadores que deixavam de lado os cursos académicos e treinavam duas vezes por dia com o objectivo de viver uma experiência no estrangeiro ou até ser "semi-profissionais" (se é que isso existe) em Portugal.

E isto fez mudar o objectivo de existência da selecção e em vez de ser a equipa onde os melhores vão jogar e representar o país (com base no trabalho que era feito nos clubes), passou a ser o sítio onde aqueles que são teoricamente melhores, onde aqueles cujos corpos da Federação (directivos ou técnicos) têm mais confiança, treinam em conjunto e com as melhores condições que há em Portugal para se tornarem ainda melhores.

Onde os "clubes fortes/influentes" conseguem colocar mais atletas que obviamente evoluem de forma mais consistente e onde se começa a cavar um fosso entre clubes mais ricos/influentes e os clubes menos ricos/influentes.

Os jogadores deixaram ter sentido de pertença ao clube pois só treinam lá 1 ou 2x semana, e começaram a sentir isso em relação à selecção que é onde fazem os treinos de ginásio + alguns treinos de campo.

Aliado a isso surgiu a última moda, talvez a pior, que foi quando os clubes se começaram a aperceber que o dinheiro não estica e que seria preferível em vez de importar quatro ou cinco estrangeiros para acertar num bom, ir directamente aos clubes nacionais e "contratar" os melhores de cada clube pagando muito menos.

Óbvio que depois nem todos os clubes estão em condições de o fazer, mas para quem pode é uma verdadeira mina e a Federação ainda dá uma ajuda (alterando os estatutos dos direitos de formação) pois quer ter ainda mais jogadores bons para serem seleccionáveis e se eles tiverem nos clubes mais influentes melhor ainda, pois o trabalho deles é controlado por alguém de confiança da Federação.

Além disso os chamados "clubes fortes/influentes" nem precisam de gastar muito dinheiro na formação, pois já vêm formados ou pré-formados.

E estas "contratações" têm ainda outra característica: não são médicos, advogados ou alguém que acredita fielmente num projecto de um determinado clube e que é por isso que muda. 
Normalmente são jogadores/miúdos mais vulneráveis, ou sem licenciatura, ou sem emprego, ou sem licenciatura e sem emprego. 
Todos de clubes também eles sem poder de resposta.

Pode ser um defeito meu, e com os últimos acontecimentos começo mesmo a achar que sou eu que estou mal, mas não me sinto preparado para o rugby que está a ser criado em Portugal.

Hoje em dia debato-me com um dilema enorme: treino miúdos (Sub18 e Sub16) e faço-o (ou tento fazer) tentando passar os meus valores do rugby e nem quero imaginar que com todo o tempo que estou a investir neles um dia eles possam mudar de clube...embora tenho perfeita noção que é o mais provável.

Faço-o pela paixão e não pelo dinheiro que recebo (que são trocos), perco horas de tempo com a família por essa mesma paixão e pelos valores que acredito e que quero passar às gerações que aí vêm (inclusive ao meu filho que já joga).

Mas não estou minimamente preparado para saber que há clubes e treinadores que estão constantemente a aliciar os melhores jogadores mas também os mais vulneráveis do meu e de outros clubes...

Invistam na formação e retirem daí os vossos frutos...não se façam valer do dinheiro que têm para contratar!!!

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