11 de julho de 2013

TESTE RÁPIDO AOS JOGADORES QUE SOFRERAM UMA CONCUSSÃO É UMA DESGRAÇA *

Peter FitzSimons é um antigo internacional Wallabie - segunda linha - que representou o seu país no final dos anos 80 do século passado, e é hoje um dos mais conhecidos jornalistas australianos.

Depois de assistir ao acidente que George Smith, o terceira linha dos Wallabies, sofreu no jogo de sábado passado, frente aos Lions, FitzSimons publicou um texto que consideramos de extrema importância pelas consequências que os factos nele referidos podem trazer a qualquer jogador de rugby, e, em especial, pelo exemplo que esses mesmos factos podem transmitir a todos os que assistiram ao jogo referido.

Com a devida vénia, aqui fica a tradução do texto de Peter FitzSimons:

TESTE DE CONCUSSÃO DA IRB É UMA DESGRAÇA
Aos quatro minutos e 39 segundos do terceiro jogo-teste contra os Lions no sábado, o australiano George Smith de 32 anos, jogando o seu primeiro jogo internacional em quatro anos, teve um temível choque de cabeça com o talonador dos Lions e caiu no chão, sem sentidos.

Nós gememos. Um jogador tão importante, numa ocasião tão crucial, e estava claramente fora de jogo - algo confirmado pela forma como teve que ser ajudado a levantar-se e ser amparado por dois homens para sair de campo, com a perna e o braço esquerdo claramente em espasmo. 

Mas esperem! De alguma forma, pouco mais de cinco minutos depois, ele corre de volta para o campo, e retoma o seu lugar na equipa dos Wallabies?

Um milagre? Não, uma desgraça.

Sejamos claros: Smith não tinha sofrido apenas uma concussão, mas sim uma concussão muito grave.

Nas suas próprias palavras,''Sim, obviamente, me afectou. Vocês viram-me dançando como uma cobra, ao sair de campo. Eu passei os testes [de concussão] que foram necessários naqueles cinco minutos e voltei para o campo.''

Que testes de concussão? Especificando, trata-se de um conjunto de testes recém-instituídos pela IRB, denominado avaliação de concussão ao lado do campo ou PSCA (pitch side concussion assessment) - ou a regra dos cinco minutos.

A ideia essencial desse teste, é sujeitar o jogador a uma série de testes e fazer perguntas que permitam separar aqueles que sofreram realmente uma concussão, daqueles que acabaram de levar uma grande pancada no corpo, e que estarão bem, logo de seguida.

Mas se Smith não estava sofrendo uma concussão na noite de sábado, que raio foi aquilo – uma maldita constipação!??!

Quem não teve nenhuma dúvida quanto ao perigo da coisa toda foi Phillip Sweeney, fisioterapeuta há mais de 20 anos, incluindo cinco como fisioterapeuta neurológico numa unidade de reabilitação de lesões cerebrais na Grã-Bretanha, que me escreveu o seguinte: '' Quando Smith foi levado para fora de campo arrastando os pés'', observa Sweeney, “sua perna esquerda abanava por todos os lados.
A sua mão esquerda estava tremendo claramente e tentava dizer aos seus assistentes que estava preocupado com isso. 
A perna esquerda continuou perdendo força e equilíbrio conforme ele ia andando.
Agora, é claro que o lado direito do cérebro controla o lado esquerdo do corpo ... E o jogador claramente não sofrera nenhum ferimento na perna esquerda, nem na mão ou no braço esquerdo. 
Aquela foi ... uma lesão neurológica.
É um exemplo clássico de uma lesão na cabeça durante a prática de um desporto e o regresso ao campo do grande homem, foi uma enorme negligência.''

Eu concordo. Não negligência do profissional médico que sujeitou o jogador aos testes de concussão da IRB, mas daqueles que impuseram o sistema.

Em que outra área profissional um funcionário que tenha acabado de sofrer um grande trauma cerebral seria autorizado/encorajado a retomar as suas funções cinco minutos depois do ocorrido?

Se você ou eu tivéssemos estado envolvidos numa tarefa, que, por um acidente inesperado, tivesse feito o nosso cérebro sangrar, em que medida o nosso empregador seria legalmente responsabilizado por nos ter de volta ao trabalho em apenas cinco minutos, para desempenhar a mesma tarefa, só que desta vez sem estarmos tão atentos como anteriormente?

E o que teria acontecido com Smith se ele tivesse sofrido uma segunda pancada exactamente no mesmo ponto da sua cabeça?

E quantos clubes de rugby ao redor da Austrália e em todo o mundo assistiram a este confronto épico, tirando exemplos do que acontece nos grandes jogos internacionais, teriam recebido a mensagem que uma concussão não é lá grande coisa? 
Vejam, mesmo quando você leva uma pancada que o faz desmaiar, você pode voltar para dentro de campo! Você será considerado ''um duro!''

Repito: eu aceito que o profissional médico envolvido, que sujeitou Smith aos testes PSCA, agiu com integridade. 
Ele ou ela não é o problema. 
Este teste recém-instituído é. 
E eu não sou o único a ficar horrorizado.

No início deste ano, o antigo internacional irlandês e agora respeitado médico, Barry O'Driscoll, demitiu-se depois de 15 anos como conselheiro médico da IRB porque o seu sobrinho, jogando pela Irlanda contra a França no Seis Nações, também retornou ao campo cinco minutos mais tarde, depois de sofrer uma concussão grave.

''O rugby está a banalizar as concussões'', disse ele ao jornal Scotland on Sunday.

''Estão enviando esses jogadores de volta para o campo e para a mais brutal das arenas. Dentro de campo, a luta é feroz.
Ao mesmo jogador a quem há 18 meses, era imposto um mínimo de sete dias para recuperação, são agora impostos cinco minutos.
Não há nenhum teste que você possa fazer em cinco minutos, que mostre que um jogador não sofreu uma concussão. 
Isto é reconhecido e aceite em todo o mundo.
Nós todos já vimos jogadores que pareciam estar bem cinco minutos depois de uma lesão contundente, para vomitarem mais tarde, durante a noite.
Aceitando esta situação no rugby, que tipo de mensagem estamos passando para o exterior?
Nós passámos de um impedimento de três semanas para uma semana e depois para cinco minutos com jogadores que estão mostrando exactamente os mesmos sintomas. 
A regra dos cinco minutos surgiu do nada.
Eu não poderia ser responsável por ela, mesmo parcialmente, então demiti-me da IRB.
Isso entristece-me, mas eu não podia ter o meu nome ligado a essa decisão.''

Bravo, Dr. O'Driscoll.

Esta regra é uma desgraça e corre inteiramente contra a opinião geral da classe médica informada do século 21, no que diz respeito à maneira de tratar uma concussão. 
Sim, o grande negócio do desporto quer que as estrelas estejam em campo, aconteça o que acontecer, especialmente em jogos extremamente importantes, como o terceiro e decisivo jogo contra os Lions. 
Mas a simples decência, sanidade básica e - não tenham dúvidas - responsabilidade legal, diz que quando um atleta sofre uma concussão, quando o seu corpo está passando por espasmos, ele tem que ficar de fora.

Esta nova regra é tão ridículo quanto perigosa e o caso de George Smith prova que assim é. 
E diga a IRB o que disser, a SANZAR e a ARU devem abandoná-la imediatamente.

* Texto: Peter FitzSimons
Foto: AFP

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