A afirmação de que os fenómenos são raros, feita num contexto específico pelo Manuel De
Mascarenhas Gaivão diz muito mais do que parece e acaba por estar na base do
sucesso ou insucesso de uma iniciativa...
Na verdade você vai ter muito mais interesse pelas coisas
que são raras, que você apenas pode ver de vez em quando do que pelas coisas a que
você tem acesso diariamente ou com bastante frequência.
Uma coisa que se repete à exaustão deixa de ser uma coisa
fantástica e passa a fazer parte do seu quotidiano, deixando de chamar a sua
atenção, de provocar a sua extrema vontade de estar presente e assistir...
Os mais novos não terão ideia de que há uns 20 anos atrás
ter um computador e acesso à internet era uma coisa fantástica a que nós
ambicionávamos ter acesso e pela qual estávamos dispostos a pagar uma fortuna.
Hoje quem pensa na internet? Ninguém. Passou a fazer parte
da nossa vida, perdeu o seu valor, apesar do valor que tem!
ANTES...
Nos anos 60 do século passado a única oportunidade que os
amantes do rugby em Portugal tinham de assistir a um jogo de elevada qualidade
era através da televisão, pela mão do Cordeiro do Vale, em quatro sábados no início
do ano – o Torneio das Cinco Nações.
Juntávamo-nos em casa de um ou do outro e bebíamos cada
minuto do jogo como se fosse a última pérola na superfície da terra.
Depois, em casa, imitávamos cada movimento, imaginávamos
cada sequência e o treino seguinte era recheado de inovação e alegria por
descobrirmos um novo espaço, um novo movimento, uma nova técnica...
E de tempos em tempos, lá íamos até Twickenham assistir a um
jogo ao vivo, como se se tratasse dum objetivo de vida!
DEPOIS...
Hoje a situação mudou radicalmente e o fenómeno do rugby de
grande qualidade tornou-se banal, entra em nossas casas com frequência
insuspeita há meia dúzia de anos, é o Torneio das Seis Nações, o Championship,
o Mundial de XV e o Mundial de Sevens, as World Sevens Series, os Jogos Olímpicos, e tantos, tantos outros!
Podemos ver na televisão aberta, nos canais pagos, em
streaming, de tanta maneira que poucos perdem o seu tempo a ir assistir a um
jogo seja onde for.
E aos poucos vamos desvalorizando cada vez mais o rugby
praticado à nossa porta, os nossos internacionais deixaram de ser exemplos a
seguir e se tornaram apenas num conjunto de vulgares jogadores sem a categoria
fenomenal daqueles a quem seguimos quase diariamente pelas redes sociais, pela
internet!
E ENTÃO?
Pois é esta banalização do fenomenal que ameaça o interesse
pelo rugby, já que o fenómeno de ontem é o vulgar de hoje, a coisa
fantástica de ontem hoje deixou de o ser, porque novo fenómeno surgiu, nova coisa fantástica aconteceu, pondo em risco o rugby como o conhecemos, aquele rugby que praticamos, que é
jogado pelos campos ervados ou pelados pelo país fora e que foi formado dentro
do respeito aos nossos valores, ao espírito do rugby...
Esta cavalgada em busca de novos e diários fenómenos criou
uma ideia profissional do rugby que tem tentado erradicar o rugby dito social,
aquele rugby praticado pelo cidadão comum, o mesmo cidadão comum que se juntava
em grupos para ir assistir aos jogos da nossa seleção, que apreciava os
internacionais por serem os melhores entre todos nós, e não um grupo distinto pertencendo a uma esfera elevada e fora do nosso alcance.
Então, o que eu quero dizer é que para que os melhores entre
os melhores sejam apreciados, eles devem ser homens e mulheres como nós, que se
esforçaram mais, mas que não perderam a sua condição humana, para que o rugby de
alta qualidade seja apreciado não vale a pena que ele esteja todos os dias a
entrar em nossa casa, a banalizar-se...
Então, o que eu quero dizer é que sem o rugby dito social, o
rugby fenomenal corre o sério risco de ir desaparecendo, pois os fenómenos só
são fenómenos enquanto forem raros...
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