31 de dezembro de 2017

ESTÁDIO JOSÉ REDONDO - UMA AVENTURA NO MUNDO DO FUTEBOL

Na segunda metade dos anos 80, quando a maior parte dos clubes portugueses jogavam e treinavam em campos emprestados ou alugados, numa pequena vila, escondida na base da Serra da Lousã, nascia aquele que ainda hoje é um dos complexos desportivos mais importantes do país, dedicado exclusivamente à prática do rugby.

Inicialmente baptizado como Campo de Rugby de Santa Rita, aquele que hoje é designado por Estádio José Redondo, numa homenagem - em vida! coisa rara! - àquele que foi o grande impulsionador do rugby na Lousã, criador do Clube de Rugby da Vila, seu mentor e principal financiador.


E sobretudo José Redondo foi o sonhador que acreditou que é possível criar e crescer, mesmo quando tudo indica que não será assim...

A inauguração ocorreu em 18 de Abril de 1987, numa altura em que em todo o distrito de Coimbra haveria uns quatro campos relvados, e o rugby não tinha qualquer peso que levasse uma Câmara Municipal a apoiar um projeto destes, como nos conta José Redondo, que hoje é presidente do Clube, e por onde passaram nos últimos 34 anos largos milhares de jovens lousanenses e alguns outros que vieram de fora.

Foi uma obra executada numa parceria entre o Rugby Club da Lousã e a Câmara Municipal, sem qualquer apoio do estado e executado qual tipo “sopa da pedra”.
E foi a ida a França por duas vezes do Prof. Horácio Antunes, Presidente da Câmara, como convidado do RC Lousã e com alguma pressão dos diretores do clube francês e do Presidente da Câmara de Prades - vila que mais tarde se veio a geminar com a Lousã - que levou a que Horácio Antunes decidisse disponibilizar um terreno quase no centro da vila, na altura sem a pressão imobiliária que se veria a verificar dois anos mais tarde.

Mas um campo não se faz apenas da existência de um terreno, como se conseguiu avançar com esse projecto?
Bom, a partir da promessa do terreno, estavam lançadas as bases para que sem qualquer projeto, mas apoiado simplesmente na minha experiência, o mesmo fosse terraplanado.
É aí que começa a verdadeira história da construção. 
Se estava terraplanado, era uma pena não levar semente de relva. 
Ok. Ofereci a semente.
Lembremos que consumo milhares de quilos de plantas e sementes no Licor Beirão. Dessa vez uma das sementes que diga-se, não é utilizada no licor, foi para “enterrar” no solo.

Muito bem, então já temos a semente... mas... e o resto??
Bom, também era necessário terra vegetal. Os Serviços Florestais, através do diretor na altura Engº Amândio Torres autorizaram-nos a ir a uma zona da Serra da Lousã explorar terra. 
Mais uma negociação com o Presidente da Câmara e lá se foram buscar 10 camiões de terra vegetal.
Mandei analisar a terra e o nosso amigo Engº Pedro Lynce, na altura Professor em Agronomia e selecionador nacional, indicou que seriam precisos 600 metros cúbicos de areia para que ela se tornasse minimamente porosa. 
Um custo enorme. 
Tive então um amigo, o Dr. Mota Tavares que tinha uns areeiros no Mondego em Coimbra que ofereceu 300 metros cúbicos com a condição do transporte ser de nossa conta. 
Alguns amigos do clube com camiões e a Câmara Municipal disponibilizaram o transporte da areia.

Mas vamos por partes. Temos Sementes, terra e areia... e o resto??
Foi nessa altura que verificámos que o terreno precisava de drenagem. 
Informei o Prof. Horácio de que não devia ser semeada a relva sem o terreno ter uma drenagem. Concordou e a Câmara fez as valas de drenagem e ofereceu a brita para a base da terra vegetal.
Feito tudo isto era preciso semear os 600 kgs de semente e espalhar os 500 kgs de adubos e fertilizantes.
Tudo “a olho”. Eu queria era o ervado, o resto viria depois.

Para garantir que o campo não viria a ser utilizado para outro fim...
Pois, mas… - e houve muitos mas nesta empreitada - disse ao Presidente que só se devia proceder à sementeira se o terreno fosse vedado. 
Doutra forma, mal a relva nascesse, seria destruída por todos aqueles que para lá iriam jogar à bola. Depois de várias negociações acordou-se o seguinte: Eu oferecia 500 metros de rede e a Câmara fazia o murete e a colocação da mesma.
Os postes, são outra história deliciosa. Eu sentia que ou colocava postes fixos e grandes de forma a não poderem ser movidos, ou iria acontecer o mesmo que aconteceu a vários relvados em Portugal. Seriam retirados para jogar futebol e a partir daí mais mês menos mês o futebol, que tudo seca à sua volta, tomaria conta do relvado. 
Recordemos que na Lousã e na maior parte do distrito os jogos de futebol eram em terrenos pelados.
E aqui está a graça da história. Estava eu numa loja da Lousã, quando entra o canalizador da Câmara Municipal a encomendar 600 metros de tubo para as águas duma freguesia da vila. 
Tubos com 12 cms de diâmetro. Não estive com meias medidas. Pedi para ele encomendar 650 metros que eu iria falar com o presidente e com os 50 metros a mais far-se-iam os postes.
E assim foi.

Então e a sementeira? Já temos o campo vedado, a terra, a areia, o adubo, e os 50 metros de tubo. E depois?
Depois recordo que convidei toda a vereação para estar presente aquando do levantamento dos postes, aquilo que eu considerava o verdadeiro símbolo do campo rugby. 
Eram na altura os mais altos do país, ultrapassados mais tarde pelos dos meus amigos de Arcos de Valdevez.
E assim, com os postes no sítio, terreno terraplanado iniciou-se a sementeira.

Calculei novamente “a olho” quando o relvado estaria em condições e de acordo com os meus amigos de Prades marquei a inauguração do relvado para 18 de Abril.
Dois meses antes em Fevereiro, pedi aos diretores da J.O. Prades para virem à Lousã, pois queria assinar o protocolo de utilização com a Câmara,  mas com eles presentes, não fosse o “diabo tecê-las”.

E aqui dá-se novo caso anedótico e muito simbólico da forma como tudo foi acontecendo.
Estávamos no jantar da assinatura (aqui na Lousã, terra de boa gastronomia, muita coisa se resolve à volta duma mesa) e já anteriormente conversados com Michel Coll, este no seu discurso informa o Prof. Horácio que Gui Malé, o Senador-Maire de Prades, viria à Lousã daí a 2 meses para inaugurar o relvado.
O Prof. Horácio que tinha enorme estima e consideração por Gui Malé ficou boquiaberto e dando-me um pontapé por baixo da mesa pergunta: então ele vem de propósito só para inaugurar o relvado? Eh pá... mas aquilo não tem balneários! 
Resposta pronta minha: Problema teu. Quem passa pela vergonha és tu!
Estávamos a 18 de Fevereiro e pasme-se a 18 de Abril estavam construídos uns balneários/bancadas simples mas que ao longo de todos estes anos serviram muito bem para tudo o que se fez naquele campo. Lembro-me que na manhã do dia da inauguração, que foi feita com toda a “pompa e circunstância”, ainda se pintavam portas.

Isso foi uma aventura enorme, num país dominado pelo futebol!
Estava realizado o sonho e para aqueles que agora utilizam excelentes instalações por todo o país - nalguns casos em locais onde nem sequer se pratica desporto - convém recordar o que foi a luta de milhares de rugbistas para chegarmos ao patamar de desenvolvimento que hoje temos. 
Cinco jogos internacionais, três deles com transmissão televisiva, dezenas de clubes estrangeiros que nos visitaram, vários estágios de equipas portuguesas e estrangeiras, cursos de treinadores, cursos de árbitros, etc, etc. foi o muito que se tem feito para que o campo de rugby da Lousã justificasse em pleno todo o esforço de tantos e tantos para a sua construção.

Mas o Estádio que hoje todos conhecem está muito diferente daquele que foi inaugurado em Abril de 1987...
Nestes anos muitas e muitas alterações se foram fazendo naquele espaço como por exemplo:
- Cobertura da Bancada. 
Estávamos em Novembro de 87 e o Presidente da Federação Picão de Abreu veio à Lousã propor a realização do Portugal-Holanda com transmissão televisiva direta. Uma das primeiras na altura. Encontrámos o Presidente e colocámos a questão que para o efeito era necessário a bancada ter cobertura e gabinetes para os jornalistas. Três meses depois estava feita a cobertura, que foi utilizada até hoje.
- colocação de 4 torres para iluminação.
- construção dum pequeno bar no piso superior das bancadas.
- construção dum bom ginásio inaugurado em 1999 pelo Secretario de Estado do Desporto António José Seguro cujo primeiro andar serviu nos primeiros anos para dormida das equipas juvenis que nos visitavam.
- Ampliação do ginásio.
- construção duma casa para instalação de jogadores estrangeiros, com dois quartos, sala, kitchenette, casa de banho, e ar condicionado.
- um apartamento para dormida dum atleta, com ar condicionado, cozinha, tv, etc.
- contentor para arrumos de material desportivo.
- contentor para arrumos de máquina para tratamento do relvado.

E assim, passo a passo, se chegou a Junho de 2016, com a segunda fase da ampliação da estrutura principal do estádio, que entra em 2018 como um dos mais claros exemplos do que a vontade de fazer e a persistência podem em regiões dominadas pelo futebol.

A Lousã é uma pequena vila portuguesa da região Centro, Distrito de Coimbra, mas em termos de rugby ela é uma cidade de grande prestígio que tem evoluído sempre com os pés bem assentes no chão.

Que sirva de exemplo!

1 comentário:

Duarte disse...

Por que é que nunca se fala no Sr. José Redondo para dirigir o râguebi português? Por ele viver na Lousã? Hoje em dia, acho que isso não seria impeditivo. Não vejo ninguém melhor do que ele para presidir à FPR.