26 de junho de 2009

HOMENS DO RUGBY

Numa recente controvérsia estabelecida nos comentários a um artigo escrito por Rui Silva no dropgoal.blogspot.com para votação da melhor equipa nacional do ano, um anônimo fez certas considerações sobre a preferência de um jogador entre enfrentar o XV da Nova Zelândia, ou participar num torneio de sevens. Pretendiam essas considerações reforçar a tese que os sevens são um jogo menor, até por que nestes torneios, a terceira parte é um forte componente do mesmo. Aquele comentário fez-me pensar porque estive ligado ao rugby desde 1964 até 1994, ou seja, por 3 décadas inteiras. Terá sido pelo desejo de ser um grande jogador, de enfrentar os melhores dentro de campo? É verdade, foi. Mesmo que, como a maior parte de nós, ter tido como jogador, poucos grandes momentos. Então, qual foi a razão por que ao longo dos anos como jogador (até 1986) agüentei treinar em condições por vezes sub humanas, em campos completamente enlameados, com condições de visibilidade reduzidas, em horários de fim de noite, sem assistência médica, muitas vezes sem treinador, sem equipamentos, sem nada...? Por dinheiro não foi com certeza, pois naqueles tempos todas as despesas eram suportadas pelos participantes, sem patrocinadores, sem apoios, sem nada...Então qual a razão por que os jogadores de rugby agüentavam tudo aquilo? Hoje a resposta parece-me bem clara: por amizade. E claro que a terceira parte fazia parte integrante dessa amizade. Os companheiros de equipa eram também os companheiros da vida. E os jogadores das outras equipas, que dentro de campo eram grandes inimigos, quando encontrados na rua ou na vida, eram imediatamente reconhecidos como amigos também. Fossem eles estudantes, doutores, estivadores, lutadores de Luta Livre, comunistas ou fascistas, pretos ou brancos, católicos, ateus ou agnósticos... Certa vez, numa auto estrada de Inglaterra fui mandado parar por uma patrulha da polícia, por conduzir em excesso de velocidade. Foi na altura do primeiro campeonato do mundo e eu dirigia-me ao País de Gales como jornalista, e tinha a respectiva credencial ao peito. Depois de severamente repreendido por um dos policiais, fui reconhecido pelo outro policial como pessoa que fazia parte do mundo do rugby...Deixaram-me ir embora, e lá foram dizendo que eram a única patrulha naquela estrada e que sairiam dela no próximo desvio, e que, até lá, eu tivesse cuidado com a velocidade... Também de outra vez, com a equipa de Direito, fui assistir a um jogo do centenário do rugby no Arms Park de Gales. Depois do jogo quisemos ir tomar uma cerveja a um pub. Qual quê! Todos os pubs da cidade estavam reservados para pessoas ligadas a clubes de rugby. Claro que a entrada nos foi barrada em dois ou três lugares, até que um de nós se lembrou de dizer que éramos jogadores de uma equipa portuguesa em digressão por Gales. Logo a porta se abriu e todos nós entramos num pub absolutamente apinhado de galeses bebendo, cantando e muito curiosos sobre aquele grupo que vinha lá do fundo da Europa. Podia contar dezenas de histórias deste tipo, em que o simples facto de pertencer ao mundo do rugby me trouxe algum tipo de vantagem, quer em Portugal, quer no resto da Europa, ou na África ou na América do Sul...E era esse ambiente, essa solidariedade meia clandestina, que nos fazia sentir diferentes, fazer parte de um grupo especial. Era a isso que chamávamos ser um Homem do Rugby. Creio que ainda hoje, apesar das grandes alterações que o rugby sofreu, se mantém o mesmo ambiente. Portanto, quando ouço criticar o orgulho que muitos sentem em dizer que são Homens do Rugby, penso logo que os críticos não estão a ver o filme todo. Aquela imaginária superioridade não vem de jogarmos um jogo duro, viril, por vezes violento, com um mínimo de queixas. Vem do resto, de sabermos que não estamos sozinhos, que fazemos parte de uma comunidade que, se não for solidária, é, pelo menos, receptiva. O resto depende de cada um de nós.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fantastico!!! É exactamente o que penso.

Um grande abraço Rugbysta

Tiago Alvim

Anónimo disse...

T.A. que é feito de ti?