1 de junho de 2018

IMPLOSÃO NO RUGBY PORTUGUÊS

A crise desencadeada pelos acontecimentos do passado dia 28 de Abril tem posto a nú algumas das fragilidades do rugby nacional e atingiu o seu ponto de ebulição com a decisão da direcção da FPR em aplicar falta de comparência às duas equipas envolvidas no fatídico jogo da Tapada.

Com a aplicação destas faltas de comparência, Agronomia e Direito, duas das mais importantes equipas nacionais, serão despromovidas para o escalão competitivo de mais baixo nível (CN3, 2ª Divisão ou Segundona) e impedidas de regressar ao escalão principal por cinco anos.


Mas aquilo que não devia passar de uma simples decisão administrativa, trouxe à tona de água alguns dos grandes problemas do nosso rugby, começando pela realização de uma jornada decisiva do Campeonato Nacional sem a nomeação de árbitros oficiais, passando por uma revisão regulamentar - mais uma vez - feita à medida e pelo orgão errado, e terminando numa decisão tomada - aparentemente - através de um processo repleto de erros processuais.

Sobre a questão da não nomeação de árbitros e do recurso ao convite a qualquer árbitro oficial presente no local que se pode estender até à indicação pelos capitães de equipa, de um jogador de cada equipa, os quais arbitrarão, por sorteio, uma parte do jogo cada um (artigo 62º do RGC), estamos perante um sistema que era habitual 40 anos atrás, mas que hoje não se justifica nem se pode admitir.
Os árbitros portugueses são uma categoria profissional dentro de um rugby que não sabe qual o caminho que deve percorrer - entre o profissionalismo e o amadorismo - e como tal vivendo numa frágil equilíbrio entre os compromissos assumidos por ambas as partes e o cumprimento desses mesmos compromissos.
Então, não só é errada a opção pelo profissionalismo num rugby que pode ter alguns profissionais, mas que é essencialmente amador, como errado é o não pagamento por parte da FPR dos compromissos assumidos - se não tem como pagar, tem que reflectir isso no seu orçamento e informar os árbitros que acabou o profissionalismo antes destes exercerem uma função que se estabeleceu ser remunerada. Isto claro, sem contar com as despesas de deslocação que deveriam até ser pagas adiantadamente, já que nada justifica que os árbitros não profissionais tenham que avançar dinheiro do seu bolso para irem apitar aqui ou ali...

Mas se parece de difícil resolução, o problema dos árbitros é apenas um grão de areia quando comparado com a questão dos regulamentos, de quem os faz e de quem os aprova.
E aqui a responsabilidade vai por inteiro para os próprios clubes, que ao aprovarem a alteração estatutária de 2011, aceitaram que deixasse de ser da competência da Assembleia Geral a apreciação, para efeito de cessação da sua vigência ou da aprovação de alterações, todos os regulamentos federativos;(ainda em vigor nos Estatutos de 2009) para que passasse a ser da Direção a competência de elaborar, alterar, aprovar e publicitar os regulamentos sobre matérias previstas na lei, bem como os que se revelem necessários para a organização, desenvolvimento e prática da modalidade, deixando para o orgão máximo apenas a competência de apreciar, quando requerido, para efeitos de ratificação, de cessação da sua vigência ou de aprovação de alterações, todos os regulamentos federativos.
Ou seja, aquilo que era uma competência obrigatória da Assembleia Geral, passou a ser facultativo e apenas exercido no caso de requerimento dos clubes.
Sabendo nós - e quem elaborou este estatuto também sabe - que os clubes são por natureza inertes (nestas matérias) apenas acordando quando alguma coisa lhes dói na carne, fácil é compreender que o facilitismo regulamentar permite agora que uma qualquer direção federativa altere quando e como lhe apetecer as normas que nos regem, sem a obrigatória fiscalização dos seus filiados.
Claro que isto abre o caminho para tudo! Como é exemplo a decisão hoje (1 de Junho) anunciada duma reunião da direcção federativa do dia 2 de Maio de 2018, em que foram aprovadas alterações ao Regulamento do Primeiro Escalão Competitivo as quais incluem, nomeadamente, alterações ao formato de acesso ao, e despromoção do, CN1.
Claro está que esta alteração regulamentar nada tem a ver com os acontecimentos de 28 de Abril, nem com a provável (já na altura) aplicação de falta de comparência às duas equipas! É apenas uma feliz coincidência!!!
Então meus caros, enquanto for possível fazer e desfazer regulamentos sem que haja uma fiscalização obrigatória por parte do orgão que representa todos os filiados na FPR, bem podem reclamar pois este ou outro conjunto directivo qualquer vai continuar a gozar com a malta!

Mas não se julgue pelo que eu acabo de escrever que os problemas apenas existem nas grandes questões, e que resolvidas essas, tudo entra na normalidade.
Erro de quem assim pensa.
Apenas a título de exemplo, notem que pelos actuais regulamentos - e pelas justificações dadas pelo Conselho de Disciplina - é obrigação de qualquer jogador de um escalão de competição conhecer o regulamento que até é bastante simples, e por isso todos os jogadores, sejam de que escalão etário forem, são julgados e punidos da mesma forma, sejam eles seniores, juniores, juvenis ou infantis...
Claro está que o CD não tem que se preocupar com questões como a inimputabilidade dos menores, nem com a influência dos directores ou treinadores que os orientam e por quem os jovens nutrem uma cega admiração e obediência, pois apenas lhe compete agir em função do que está regulamentado, deixando assim que se punam crianças de 14 anos com a mesma severidade com que se pune um senior bem calejado, quando está em causa o conhecimento do regulamento...
Que me perdoem os membros do CD, por quem nutro todo o respeito e consideração, mas a decisão tomada e os seus fundamentos não ajudam em nada à formação do carácter dos jovens em questão - e dos outros que não foram punidos mas que agora vão ter que se dedicar ao estudo dos regulamentos federativos - marcando-os para toda a sua carreira de jogador de rugby.

Voltando à bomba que rebentou no rugby português falta apenas referir que os juristas que consultámos são unânimes em afirmar que existem demasiados erros processuais que levarão inevitavelmente à anulação da decisão agora tomada.
Anulada a decisão do rebaixamento, ninguém poderá ficar admirado se for repentinamente aprovada uma alteração ao regulamento que atribua a estes casos a pena de advertência registada, sem outras consequências...

Chega de palhaçada. É necessário olhar para o que se está a passar e pensar no todo, pois se assim não acontecer, muito em breve não haverá parte sobre a qual se debruçar...

Foto: Por Heptagon - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5081927

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